Empresometro

BOLETIM EMPRESÔMETRO: Golpes contra investidores, consumidores, bancos, fintechs, seguradoras e fornecedores agravados pela pandemia.

O Empresômetro – Inteligência de Mercado, spin-off[1] do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, apresenta mais um estudo inédito de monitoramento de mercado, que deixará os gestores de mercado e de grandes empresas muito preocupados e que demonstra o enorme prejuízo causado a investidores e consumidores.

A partir do cruzamento de dados e informações de empresas que atuam no Brasil, foi possível identificar uma série de golpes que estão se alastrando no mercado desde o início da pandemia da COVID-19.

METODOLOGIA E BASE DE DADOS

– Análise do histórico fiscal de 13.104 CNPJs;
– Consultas à base de dados do INPI[2] sobre o registro de 783 marcas famosas e seus proprietários;
– Análise de NFEs-Notas Fiscais Eletrônicas e CTEs – Conhecimentos de Transporte Eletrônico de 4.102 empresas;
– Demonstrações Financeiras, Relatórios, Comunicados e Ofertas Públicas de Ações de 41 das Companhias que anunciaram o IPO desde janeiro de 2018 até março de 2021, mesmo que não tenha havido ainda a concretização da oferta inicial de ações;
– 28 inquéritos policiais sobre golpes sofisticados praticados contra consumidores e empresas;
– 31.843 reclamações junto aos Procons[3] Estaduais e site www.consumidor.gov.br[4];
– 222 reclamações junto à CVM[5] e à B3[6];
– Pesquisa pelo nome de 2.428 empresas no site www.reclameaqui.com.br[7].

PANDEMIA E PANDEMÔNIO

A pandemia do Coronavírus causou uma desarrumação no mercado, em virtude da alta mortalidade, das medidas de restrição à circulação de pessoas, fechamento de atividades não essenciais, falta de equipamentos, máquinas, materiais e medicamentos.

A inflação é um dos seus efeitos colaterais, como também o desemprego, encerramento definitivo de empresas e elevação da taxa de juros. Reflexos positivos são a aceleração no desenvolvimento de vacinas e medicamentos, geração de novas tecnologias e surgimento de novas atividades profissionais.

Pandemônio tem duas definições: uma no sentido de confusão, conforme analisado acima, e outra no sentido de reunião de pessoas para causar o mal, ou praticar golpes contra pessoas e empresas.

A pandemia potencializou crimes cibernéticos[8], corrupção, peculato[9], contrabando e estelionatos, permitindo o locupletamento[10] de vários atores do mercado.

O objetivo deste estudo não é esgotar todos os exemplos de crimes, fraudes, golpes ou transgressões que ocorrem no mercado, principalmente a partir da pandemia, mas sim chamar a atenção para as práticas nocivas que causam prejuízos bilionários para a sociedade, principalmente a empresas, investidores e consumidores. Estas fraudes já estão sendo apuradas pelas autoridades competentes.

Iremos descrever 3 golpes sofisticados praticados a partir da falha de sistemas de monitoramento e da falta, pelos agentes de mercado, de uma análise mais criteriosa das operações envolvidas nas transações de produtos, mercadorias e serviços.

GOLPE DO USO INDEVIDO DA MARCA FAMOSA

Os fraudadores criam uma empresa no exterior, especialmente num paraíso fiscal, colocando no nome a palavra que identifica uma marca famosa e no Brasil tiram um CNPJ de empresa estrangeira. Desde o início da pandemia, no ano passado, já foram constituídas mais de 2.400 empresas estrangeiras no Brasil. De posse dos documentos, abrem numa das Juntas Comerciais uma empresa brasileira com sócio estrangeiro e também colocam no meio da razão social a marca famosa seguida da expressão “do Brasil Ltda”.

Alugam um imóvel no mesmo prédio em que está sediado o grupo da marca famosa e criam várias filiais em estados diferentes. Emitem nota fiscal eletrônica contra uma série de empresas (clínicas, hospitais, escritórios, lavanderias) e órgãos públicos (prefeituras, secretarias, fundações) que não possuem inscrição estadual. Utilizam todos estes documentos para abrir contas e obter crédito junto a instituições financeiras e fintechs, efetuar compras de veículos, máquinas, materiais e tudo o que possa ser revendido ou utilizado para dar aparência de veracidade. Contratam profissionais com notória especialização naquele ramo em que os golpistas agem, através de headhunters respeitados, tudo através de plataformas de vídeo comunicação (Zoom, Teams, Skype). Os interessados buscam na internet informações sobre a empresa, verificando que é um grande grupo que está num prédio conhecido de grandes avenidas. Também fornecedores, bancos, fintechs e seguradoras são ludibriados pela aparência de realidade.

Para tanto, contam com as fragilidades e falta de integração entre os departamentos internos dos bancos, fintechs[11], seguradoras e fornecedores, agravada pela ausência de reuniões presenciais devido à pandemia.

As empresas e órgãos públicos que não possuem inscrição estadual não recebem alertas de NFEs emitidas contra eles, pois a maioria não possui softwares de rastreamento de documentos fiscais. Quando os bancos e fintechs fazem a consulta no Portal da Nota Fiscal[12] recebem a informação de que aquela nota fiscal é válida e que não teve nenhum cancelamento ou foi negada pelo destinatário, liberando crédito através de desconto de recebíveis ou conta garantida.

Como as operações têm prazo de vencimento de 90, 120 até 180 dias, os golpistas contam com tempo suficiente para aplicar o golpe em várias instituições ao mesmo tempo. Também buscam fornecedores de móveis, computadores, insumos, mercadorias para revenda, veículos, máquinas e contratam prestadores de serviços de telefonia, internet, arquitetura e decorações. Como é praxe nas operações com grandes empresas, o faturamento contra elas tem um prazo mínimo também de 90, 120 ou 180 dias, com cláusula de que o fornecedor não pode descontar o título junto às instituições financeiras. Inclusive fazem operações de comércio exterior, ludibriando inclusive instituições internacionais.

Fazem apólice de seguro de bens e de cargas, estipulando coberturas valiosas, contando com o absoluto desconhecimento das seguradoras, corretores e reguladoras de sinistros quanto às características dos documentos fiscais e maneiras de verificar a sua autenticidade. Passado um tempo, comunicam o sinistro e recebem as indenizações.

GOLPE DO E-COMMERCE

As grandes plataformas de e-commerce transformaram-se em marketplaces, espécie de shopping center virtual em que o consumidor pode comprar de milhares de empresas e marcas. São exemplos de marketplaces: Magalu, OLX, Americanas, Shoptime, Walmart, Mercado Livre, Amazon, Madeira Madeira, B2W, Global Fashion Group, Shoope, Submarino, Centauro, Olist, Shoptime, dentre tantos outros.

Os golpistas utilizando-se das técnicas do Golpe da Marca Famosa ou criando empresas com documentos extraviados ou vazados pelos bancos de dados de grandes instituições e até do governo, cadastram-se nas plataformas dos vários marketplaces como lojas eletrônicas e passam a anunciar e a vender produtos reais, como roupas e acessórios, calçados, produtos eletrônicos, autopeças, materiais de construção, etc. Por uns poucos meses fazem a entrega corretamente e adquirem notas positivas , dos consumidores, ludibriando assim os sistemas de monitoramento dos próprios marketplaces e de sites terceirizados que fazem o acompanhamento de transações.

Ainda para dar mais aparência de regularidade, os larápios, ao invés de constituir novas pessoas jurídicas fazem alterações contratuais em empresas que estão ativas junto à Receita Federal do Brasil, ou seja passam a ter CNPJs válidos e com prazo de constituição de muitos anos.

Após um tempo fazendo milhares de operações e entregando produtos baratos passam a oferecer produtos de valores mais elevados, mas sem exageros para não chamar a atenção dos algoritmos de monitoramento.

Com isso enganam milhares de consumidores. Importante observar que o sistema eletrônico de governança dos marketplaces ainda possui grande vulnerabilidade, principalmente porque não consegue monitorar plenamente a movimentação fiscal das lojas eletrônicas que anunciam em seus sites.

Os golpistas ainda contam com o silêncio dos próprios marketplaces, que preferem assumir parte do prejuízo dos consumidores que reclamam do que fazer a denúncia junto às autoridades e consequentemente dar publicidade às suas falhas.

GOLPE EM IPOs DA BOLSA DE VALORES

Sofisticação e criatividade é o que não falta para os golpistas, que são exímios observadores das falhas dos sistemas de controle do mercado.

IPO (Initial Public Offering) é sigla para Oferta Pública Inicial, ou seja é quando uma empresa vende ações para o público pela primeira vez. Também é conhecido como a abertura de capital junto à Bolsa de Valores. É importante mecanismo de financiamento das grandes empresas, que obtêm um valor significativo para os seus planos de crescimento.

Notoriamente, há grande interesse dos fundos de investimento internacional neste tipo de operação e os larápios então contam com a ganância dos atores do mercado: bancos, Bolsa, fundos, gestoras, empresários e demais beneficiados dos IPOs. E ainda mais, sabem da extrema complexidade do sistema tributário brasileiro e a dificuldade de um monitoramento completo.

Uma das formas de aumentar o valor de mercado de uma companhia que pretende fazer o IPO é a aquisição de empresas menores, que tenham sinergia com o seu ramo de atuação, que lhes possibilitem a entrada em novos ramos de atividade, que agreguem racionalização nos seus processos de fabricação ou logística, que tenham marcas ou patentes registradas no INPI, que possuam registros nas agências reguladoras ou que lhes permitam o acesso a banco de dados de empresas e consumidores para aumentar suas vendas.

Os golpistas preparam pequenas empresas com existência e regularidade de muitos anos, registrando marcas e patentes em seu nome e/ou providenciando o registro nas agências reguladoras (ANEEL, ANATEL, ANCINE, ANTAQ, ANS, ANTT, ANP, ANVISA, ANAC, ANA, ANM). Normalmente, a pessoa jurídica utilizada para o golpe no mercado é optante pelo Simples Nacional, permitindo fazer operações de venda de produtos ou prestação de serviços com uma carga tributária pequena.

Assim, oferecem para a companhia que abrirá o capital, a transferência das quotas sociais da “pequena notável” por um determinado valor, mas com um laudo de avaliação de valor bem superior. Logicamente, que o golpe conta com a complacência de vários atores de mercado.

A companhia que fará o IPO registra contabilmente a operação de aquisição da “pequena notável” pelo valor extraordinário do laudo de avaliação, gerando ágio e consequentemente elevando o seu patrimônio. Com isso, adquire maior atratividade e valor perante os fundos internacionais e demais interessados na compra inicial de ações. Após a abertura do capital, faz-se a desmobilização paulatina do investimento, com prejuízo. Como resultado, as ações vão se ajustando ao seu real valor, causando perdas para os primeiros investidores.

RECOMENDAÇÕES

O excesso de burocracias, complexidade do sistema tributário e regulação excessiva das atividades no Brasil trazem em si, dificuldades extremas de entendimento sobre o conjunto de normas aplicáveis ao mercado.

Isto possibilita o surgimento de diversas fraudes. Agravada pela pandemia que paralisou inúmeras atividades e forçou o trabalho remoto, os golpistas se aproveitam das dificuldades em se rastrear operações e monitorar plenamente as transações de bens e serviços. Assim, apresentamos algumas recomendações:

– Para mitigar o risco do uso indevido de marcas é necessário que se faça um acompanhamento permanente das razões sociais e nomes fantasia das empresas ativas no Brasil, através do cruzamento de dados dos CNPJs, Inscrições Estaduais e registro de atos nas Juntas Comerciais e Cartórios de Registro de Títulos e Documentos. Também é recomendável que os titulares requeiram junto ao INPI o reconhecimento de Marca de Alto Renome, para inibir que terceiros de má-fé consigam registrar nas Juntas Comerciais ou Cartórios de Registro de Títulos e Documentos empresas utilizando-se das expressões das Marcas Famosas;

– Para atenuar o risco de perda em concessão de crédito é indispensável o rastreamento das notas fiscais eletrônicas e cruzamento com os conhecimentos de transporte eletrônico das mercadorias, como também o levantamento amostral dos documentos fiscais das compras de insumos e mercadorias;

– Para evitar o pagamento indevido de sinistros, também é importante a adoção do procedimento do item anterior, bem como a exigência da emissão de nota fiscal de baixa de estoque ou imobilizado com o código (CFOP[13]) de perda ou roubo pelo beneficiário da indenização;

– Para reduzir as operações fraudulentas no comércio eletrônico, é também indispensável que os marketplaces façam o rastreamento das notas fiscais eletrônicas e cruzamento com os conhecimentos de transporte eletrônico das mercadorias e o levantamento amostral dos documentos fiscais das compras de insumos e mercadorias que justifiquem os estoques das lojas eletrônicas ofertantes;

– Para evitar a fraude citada em IPOs, é indispensável que os analistas de mercado também conheçam as práticas da emissão e registro de documentos fiscais e façam o levantamento fiscal e comercial do histórico dos CNPJs que estão sendo incorporados.

ESTUDO E PESQUISA:

Responsabilidade do Empresômetro Tecnologia da Informação Ltda., CNPJ 12.906.174/0001-05 e IBPT- Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, CNPJ 08.611.302/0001-08.

Coordenação de Estudos: Gilberto Luiz do Amaral (GLA)[14].

[1] Negócio derivado de uma instituição ou empresa já existente.

[2] Instituto Nacional da Propriedade Industrial é o órgão regulamentador responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos da propriedade intelectual da indústria, tais como marcas e patentes.

[3] Serviços governamentais de defesa e proteção do consumidor.

[4] Serviço público monitorado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) – do Ministério da Justiça e Cidadania, Procons, Defensorias Públicas, Ministérios Públicos, Tribunais de Justiça.

[5] Comissão de Valores Mobiliários é uma autarquia federal que tem a finalidade de disciplinar, fiscalizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários.

[6] É a bolsa de valores oficial do Brasil, sediada na cidade de São Paulo.

[7] Plataforma de solução de conflitos entre consumidores e empresas.

[8] Crime cibernético é uma atividade criminosa que tem como alvo ou faz uso de um computador, uma rede de computadores ou um dispositivo conectado em rede.

[9] Ato criminoso, previsto no Código Penal, que se baseia no desvio de verba, no furto, na apropriação de bens materiais e de dinheiro; normalmente, realizado por um funcionário público, valendo-se da confiança pública e, sobretudo, utilizando aquilo que furta em benefício próprio.

[10] Enriquecimento sem causa, ou ilícito, que ocorre em prejuízo a alguém.

[11] Fintech é uma abreviação para financial technology (tecnologia financeira, em português). Ela é usada para se referir a startups ou empresas que desenvolvem produtos financeiros totalmente digitais, nas quais o uso da tecnologia é o principal diferencial em relação às empresas tradicionais do setor.

[12] https://www.nfe.fazenda.gov.br/portal/principal.aspx

[13] É a abreviação de Código Fiscal de Operações e Prestações. Esse código identifica uma determinada operação por categorias no momento da emissão da nota fiscal

[14] Contador e Advogado Tributarista de Inteligência de Negócios, presidente do Conselho Superior do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação e seu Head de Estudos; Sócio e Head de Estudos do Empresômetro Inteligência de Mercado.

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